terça-feira, 16 de junho de 2009

O homem dos 94 milhões

É dos temas mais vistos, lidos e comentados, na imprensa escrita, digital, nos blogues... É, de facto, um fenómeno mundial de vendas (e receitas!). Falo de Cristiano Ronaldo e da sua transferência mais que multi-milionária para o Real Madrid. É um exagero-exageradamente-exagerado e um atentado moral à carteira de toda a gente! Com tantos e tantos, nomeadamente, a maioria dos nossos idosos, a terem, invariavelmente, que se desenvencilhar um mês inteiro com pouco mais que duzentos euros...

Tomo a liberdade de transcrever, na íntegra, a OPINIÃO de Miguel Gaspar (
Público):


Quem é o homem que consegue no mesmo dia aparecer na capa de "A Bola" e do "Financial Times"? O homem, evidentemente, é Cristiano Ronaldo, protagonista da transferência mais cara de sempre do futebol mundial. Mas a notoriedade deste caso não se esgota na soma astronómica de 94 milhões de euros, obscenamente desmultiplicada pelos media em milhares de euros por dia, hora ou minuto ou multiplicando em ouro os quilos que pesa o jogador português. Há muito mais do que isso. No meio da maior crise económica das últimas décadas, a compra de Cristiano Ronaldo pelo Real Madrid transformou-se numa questão ideológica e mesmo numa questão moral.

Nada disto no entanto é realmente novo. O mesmo discurso existiu quando Florentino Pérez, na sua primeira incursão como presidente madridista, não olhou a meios para construir uma equipa de superestrelas, baseada no pressuposto de que um clube de futebol é acima de tudo uma empresa de direitos televisivos e uma fábrica de roupa desportiva.

No plano desportivo, os críticos recordam os Galacticos como um fracasso, face aos montantes investidos. Pérez manterá a sua teoria, lembrada por Gideon Rachman no Financial Times: um clube de futebol é Hollywood e não interessa se o fi lme é bom, mas sim que tenha o Tom Cruise. Ou, neste caso, Cristiano Ronaldo e o brasileiro Kaká.

Então o que faz tudo isto parecer estranho e leva responsáveis do futebol e dirigentes políticos europeus a exigir regulação e a falar em imoralidade? Apenas o facto, quero crer, de estas contratações acontecerem fora do tempo, de serem portadoras de um anacronismo bizarro. No princípio da década, quando Zidane, Figo e Beckham rumaram a Madrid, a especulação fi nanceira era a lei do dia e o futebol não ficava fora de jogo. Agora, é o resto do mundo que parece estar fora de jogo. Nos dias que correm, em que outro negócio alguém consegue dispor assim, do pé para a mão, de 300 milhões de euros para ir às compras?

Em Portugal, evidentemente, o debate é outro. As televisões despacham jornalistas para Madrid com o único fito de garantir ao povo, várias vezes por dia, que Ronaldo é o maior e o mais rico e de ir para a rua perguntar às miúdas se acham que ele é giro. O grau zero da infantilização.

Pergunto-me, por vezes, onde é que outro tipo de homens míticos, vamos chamar-lhes os homens dos 94 cêntimos, se cruzam com o homem dos 94 milhões? Quando compram uma camisola ou quando a produzem numa fábrica sombria algures no Oriente? Os milhões de Ronaldo, um grande negócio, um grande jogador, tornamse eles próprios uma ideologia esmagadora. Não, os milhões não são apenas dinheiro, são uma parte do espectáculo, porque uma parte do espectáculo da equipa mais cara do mundo é ser a equipa mais cara do mundo. Como dizia alguém, comprar Ronaldo é como comprar um Picasso, período azul. Só que o Ronaldo tem pernas de certeza e com o Picasso nunca se sabe.

O que a contratação milionária de Ronaldo prova é que, no auge da crise, quando a economia real bate no fundo, o circo continua a ser um negócio tentador, mesmo que não se saiba se vai ser rentável.

O negócio de Ronaldo é um símbolo de que a velha economia especulativa não morreu com a crise, nem há qualquer novo modelo que a substitua.

O dinheiro, portanto, continuará a ser a única regra que conta neste futebol. Quanto ao resto, esqueçam o moralismo; não me incomodam os milhões que alguém ganha, muito menos um jogador que troca um formidável clube inglês (o United) por uma espécie de Disneylandia do futebol, como alguém um dia chamou ao Real Madrid. Todos estes séculos depois dos Felipes, os espanhóis continuam a acreditar no mito da Invencível Armada.

Quase um crime, Florentino Pérez! Que ESBANJAMENTO...

5 comentários:

  1. Concordo plenamente com tudo aquilo que foi escrito, e gostava de acrescentar algo.
    40 milhões de refugiados.
    115 milhões de crianças que não vão à escola por causa da pobreza.
    1,5 biliões no mundo são considerados muito pobres.
    Mais de 1,1 mil milhões de pessoas vivem com menos de 1 euro por dia.
    3 biliões sobrevivem com pouco mais de 2 euros por dia.
    Um quinto da população mundial padeçe de fome.
    Três milhões de crianças morrem de desnutrição todos os anos.
    Um quarto da população mundial não dispõe de àgua potável. Há povos inteiros sem acesso a cuidados de saude.
    Quantos milhões de desempregados.....
    Não concordo e mais fico revoltado com o que se paga a jogadores de futebol, e não só.
    É uma ofensa, uma falta de respeito para todo o resto do mundo que passa necessidades.
    Mais dados.
    5 milhões de crianças morreem de diarrei todos os anos. custo para salvar 700 milhões de de euros, aquilo que o mundo gasta em armas durante apenas 6 horas.
    Equipar 80.000 aldeias com bombas de tirar água custo: 12 milhões de euros, quantia por exemplo gasta em um só teste nuclear.
    Bom isto tudo poderá deixar a pensar, muito boa gente, vamos tentar mudar o mundo à nossa volta, já que não o poderemos fazer a nivel global.
    Um abraço
    O outro chefe

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  2. Luís Castro no http://cheiroapolvora.blogs.sapo.pt/ tem tudo aquilo que eu acho sobre este tema.

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  3. Obrigado pelos dados estatísticos, Chefe (o outro!).
    Mais que prestar atenção aos números, devemos olhar verdadeiramente para quem padece tamanhos sofrimentos... esses, não nos invadem a casa todos os dias!

    Assino por baixo: "...vamos tentar mudar o mundo à nossa volta, já que não o poderemos fazer a nível global".

    Caro Anónimo (23:43) talvez fosse pertinente trazer a SUA opinião a "público"... ficaríamos decerto mais enriquecidos!

    =)

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  4. óbvio que não acho normal um clube dar 94 milhões de euros por um jogador. óbvio que é um exagero. mas que temos nós a ver com isso? também não quero que me venham criticar a forma como gasto o meu dinheiro. aquilo não são dinheiros públicos, são dinheiros privados e cada um faz o que bem entender com ele.

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  5. Óbvio. Directamente nada! Os 94 milhões gastos, não me afectam NADA: o dinheiro não é meu, não me foi dado a mim, logo, nada tenho que ver com isso. No entanto, e num tempo em que de crise se fala, é um pouco "injusto" este esbanjamento... Já leu o primeiro comentário, com a devida atenção e colocou a mão na consciência?

    Mas cada qual dá o destino que quiser ao seu dinheiro! Não censuro ninguém...

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