Hoje a Morte invadiu a minha enfermaria… Cheira a Morte (se é que Ela tem cheiro). Sente-se gente a morrer e fala-se de quem vai, de quem já foi e de quem está a ir. Ela ali tão perto, e eu (e Nós), a tentarmos fugir dela.
Nestas alturas percebem-se coisas que não se vêem noutras. Para se morrer bem, tem que se conhecer a Arte de Bem Morrer – que isto não é só deitarmo-nos, muito sossugaditos à espera que Ela apareça.
O último (in)feliz contemplado foi um homem com uma neoplasia (um bonito eufemismo que inventaram para não termos que conviver com o terror que a palavra “cancro” carrega) em fase avançada e já de avançada idade. Enquanto ele se esvaía em sangue, ora pelo nariz, ora pela boca, juntámo-nos - os enfermeiros e eu - todos ao seu redor, cada um fazendo a sua parte, tal qual uma grande família, tentando tudo o que estava ao nosso alcance, tudo, tudo, tudo, tudo, o que a Ciência e o Método nos ensinaram… Apareceram os médicos, deram as instruções terapêuticas e, vendo os resultados, disseram as mortíferas palavras que todos tememos: “Não há nada a fazer”.
Ligado ao monitor de sinais vitais, com máscara de oxigénio, com aspirador de secreções e todos os aparelhos tecnológicos disponíveis, este homem sucumbiu, num último e longo suspiro que, de certo, jamais esquecerei, tal eram as ganas de viver e a força que o prendiam à vida. Apesar de todos os aparelhos, ninguém se lembrou, ao menos, de lhe segurar a mão…
“Já está! Podemos ir embora beber o cafézinho descansados", gritou um dos médicos. (Será que sabem o que é compaixão?) Mas não estava… O Coração batia e ouvia-se o clamor forte do bip bip bip da máquina, a pedir insistentemente que se fizesse mais…
Na minha inocência, pedi a reanimação. “Para quê?! É um doente com neoplasia!” – foi a resposta. E então? E a Família deste homem onde ir fazer falta? Onde era Pai, Avô, Marido? Que diriam eles acerca disto?
Para mim, foi como uma facada no coração.
Será isto legítimo?
Será isto justo?
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